Abordarei neste artigo da forma mais didática possível, sobre o “Projeto de Anistia de Ativos no Exterior”, ou melhor, Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei 13.254/2016, regulamentado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) por meio da Instrução Normativa 1.627/2016, além do famoso “Perguntas e Respostas” preparado pelo próprio órgão federal em destaque.
Este é o assunto tributário do momento, o qual acredito que você, caro leitor, já ouviu falar, pelos menos, num almoço com os colegas de escritório, ou em um churrasco com os amigos.
Em resumo, o RERCT abre a possibilidade para que os pagadores de tributos (tax payers) façam uma declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.
A adesão ao RERCT deverá ser concretizada até 31 de outubro de 2016, e dar-se-á pela apresentação da Declaração de Regularização Cambial e Tributária (DERCAT), acompanhada do pagamento integral do imposto sobre a renda à alíquota de 15% (quinze por cento) incidente sobre o valor total em Real dos recursos objeto de regularização, além do pagamento integral da multa de regularização em percentual de 100% (cem por cento) do imposto sobre a renda apurado. Ou seja, o encargo financeiro total é de 30% (15% de IR + 15% de multa).
Pois bem, muito tem se falado, discutido, explicitado em notícias e artigos de grandes periódicos, assinados por juristas e tributaristas renomados, sobre as diversas particularidades e reflexos que ainda permeiam a adesão ao RERCT.
Meu propósito, neste artigo, é deixar um pouco de lado a polêmica técnica, e tentar ilustrar em números, situação hipotética de um pagador de tributos que ainda está avaliando se irá ou não aderir ao Programa de Anistia em tela, haja vista as inúmeras correntes que circulam no meio jurídico-penal-tributário.
Grosso modo, irei considerar três linhas de raciocínio, quais sejam; (i) aquela que considera uma “fotografia” em 31/12/2014; (ii) filme de curta metragem (últimos 05 anos); (iii) filme de longa metragem (últimos 16 anos).
Para tanto, utilizarei a seguinte premissa: “pessoa física remeteu ao exterior em 15/12/1999 o valor de R$ 2 milhões, auferido de forma lícita, depositado numa conta corrente no país X; em 31/12/2009 o saldo depositado era de R$ 1 milhão; em 31/12/2014 restava o importe de R$ 100 mil”. Para facilitar a compreensão, não serão observados os aspectos cambiais (conversão em moeda estrangeira; variação cambial, etc.), irei considerar os valores em reais.
Vamos lá, como exemplos numéricos valem mais que mil palavras e páginas escritas, temos:
Cenário | Período de “Corte” | Saldo Depositado | Carga Total (30%) |
01 – Fotografia | 31/12/2014 | R$ 100 mil | R$ 30 mil |
02 – Curta Metragem | 31/12/2009 | R$ 1 milhão | R$ 300 mil |
03 – Longa Metragem | 31/12/1999 | R$ 2 milhões | R$ 600 mil |
Para termos uma comparabilidade, iremos considerar que o pagador de tributos em destaque, após ouvir a opinião de ilustres consultores, conselheiros, advogados tributaristas e criminalistas, resolveu, como dizemos no jargão popular, “peitar o fisco”, ou seja, irá assumir o risco, e não fará a adesão ao Projeto Anistia.
Nesta situação, calculamos a contingência fiscal, obtida da seguinte forma: 27,5% de IR; multa qualificada de 150%; e juros SELIC calculados até agosto de 2016, e obtivemos os seguintes números, aproximadamente:
Cenário | Período de “Corte” | Saldo Depositado | IR + Multa + Juros |
01 – Fotografia | 31/12/2014 | R$ 100 mil | R$ 75 mil |
02 – Curta Metragem | 31/12/2009 | R$ 1 milhão | R$ 880 mil |
03 – Longa Metragem | 31/12/1999 | R$ 2 milhões | R$ 2,6 milhões |
Da comparação apresentada temos uma conclusão elementar. Deixar de aderir ao RERCT até 31 de outubro de 2016, expõe o pagador de tributos a um passivo contingente de enorme magnitude. Infelizmente, a conta sairá muito cara, será questão de tempo para a Receita Federal e o Banco Central (BACEN) lavrar o auto de infração, principalmente, levando em consideração os Acordos para Troca de Informações sob chancela ou não da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentre eles, o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), celebrado com os EUA.
Como agravante, relevante destacar que a aplicação da multa qualificada de 150%, gera, automaticamente, representação para fins penais. Enfim, serão duas dores de cabeça, “daquelas bem doloridas”, que nenhum remedinho de pingar gotas ou pastilha com sabor de abacaxi resolverá.
Por sua vez, ainda que haja a adesão tempestiva ao Projeto Anistia, também poderá haver “respingos” tributários e/ou penais de acordo com o cenário eleito pelo nosso amigo pagador de tributos.
Em minha humilde opinião, respeitando ponderações contrárias, se o cidadão em tela quiser ficar 100% tranquilo (botar a cabeça no travesseiro e dormir como um bebê), recomendo aderir ao Cenário 03 (Longa Metragem), será trabalhoso e custoso, com toda certeza, mas você acha que a produção de “O Poderoso Chefão” ou “Um Sonho de Liberdade” saiu barato?
Quanto aos cenários 01 e 02, independentemente da corrente e argumentos jurídicos, ouso dizer, reitero, respeitando opiniões contrárias, que não garantirá a plena segurança jurídica. Em cada um dos casos há elementos que podem sustentar, hoje, a adesão. Entretanto, nosso amigo pagador de tributos que remeteu ao exterior R$ 2 milhões em 1999, consumiu R$ 1,9 milhão ao longo de quase 15 anos, não importa com o quê, sem pagar um único centavo de impostos ou contribuições, deverá ter plena noção que poderá, a qualquer momento, ser questionado e autuado pelas autoridades fiscais, com a aplicação de sanções financeiras e/ou penais.
Por fim, importante ressaltar que os exemplos descritos neste artigo são meramente ilustrativos. Isto porque, cada caso é um caso, e precisa ser estudado e avaliado à exaustão, para que o pagador de tributos sujeito ao RERCT, tenha a menor exposição tributária e/ou penal possível. Em outras palavras, aderir ao Projeto Anistia sem embasamento factível, infelizmente, não criará Valor e Resultado ao nosso querido cidadão.
Paulo Cezar Lourenço
Sócio Diretor da Agrega Consulting. Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com pós-graduação em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito, e especialização em IFRS (International Financial Reporting Standards) pela FIPECAFI / USP.